terça-feira, 19 de outubro de 2010

Canção da sesta (LXI)

Se teus cílios de sereia
Te dão um ar peregrino,
Que longe é de ser divino,
Fada do olhar que me enleia.
 

Eu te adoro, ternamente,
Minha terrível paixão!
Sempre com a devoção
Que tem pelo ídolo um crente.
 

As florestas e o deserto
Perfumam-te as tranças rudes;
Tens na fronte as atitudes,
Do que é enigmático e incerto.
 

Como em torno do incensário,
Em teu corpo o perfume arde;
E fascinas como a tarde,
Ninfa do ar mais funerário.
 

Ah, o filtro, mesmo se forte,
Não vale tua delícia,
E conheces a carícia
Que faz reviver a morte!
 

Tens ancas muito amorosas
De teus seios e teus rins,
E arrebatas os coxins,
Com flexões tão langorosas.
 

Vezes, para ser vencida
Tua raiva de mistério
Prodigalizas, de ar sério,
O beijo como a mordida;
 

Tu me laceras, morena,
Com riso de algum despeito,
E pões depois no meu peito
Teu olho, lua serena.
 

Sob teu sapato rendado,
Sob os teus pés que são seda,
Ponho de alma sempre leda
O meu gênio com meu fado.
 

Minha alma por ti se cura,
Por ti que és o lume a e cor!
És a explosão do calor
Em minha Sibéria escura.


Álvares de Azevedo

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